terça-feira, 15 de maio de 2012

O Fim de Desperate Housewives

A série, criada por Marc Cherry, veio na onda do revisionismo do American Way of Life que estava na moda no final do século XX e início do século XXI. Na crista da onda, em 2000, Sam Mendes venceu o oscar por Beleza Americana. No filme, o diretor então estreante, ironizou o subúrbio americano ao fazer uma réplica dele em estúdio e apontar a câmera para o que acontece por trás das cercas brancas e dos jardins bem cuidados. Desperate Housewives é a absorção da crítica de Beleza Americana. Enquanto Sam Mendes utilizava dessa estética como crítica ácida ao tema, Marc Cherry pegou a ironia e a iconografia desconstruída do subúrbio e aplicou-a a uma simpática e exagerada novela, repleta de sarcasmo e humor negro, mas também de  personagens cativantes com arcos muito bem construídos.

"Desperate Housewives" como Pintura Doméstica Pós-Moderna

Essa ironia já se encontra presente na abertura da série, com a sensacional trilha de Danny Elfman (que acompanha a série inteira), vemos a desconstrução de referências da vida doméstica e relação de gêneros na história da arte: Uma representação renascentista de Eva deixando cair uma maçã gigante em seu Adão dá o início para a abertura. Uma Nefertari desenhada em padrões egípcios é dominada pelos filhos que não param de aparecer. Numa releitura do Casal Arnolfini, do renascentista Van Eyck, Giovanni joga uma casca de banana para que Giovanna, grávida, limpe. Numa brincadeira com a célebre pintura American Gothic, de Grant Wood, o marido troca sua esposa dona de casa por uma Pin-Up de Gil Elvegreen, e a esposa acaba presa numa lata de sardinhas. Uma figura de um pôster publicitário dos anos 40 carrega várias latas em compota, entre elas, a lata Campbells de Andy Warhol, e deixa cair as latas nas mãos de um casal discutindo numa obra de Robert Dale.

 
A cena que define a série

A primeira cena da série é icônica e querendo ou não, vai estar marcada na história da televisão americana. Após uma câmera em grua mostrar toda a rua chamada Wisteria Lane na cidade de Fairview. Essa rua toda construída em um galpão na Universal Studios. Nessa rua, todos os ícones da vida pacata suburbana estão contemplados. O ônibus escolar, a cerca branca, as caixas de correio, as donas de casa cuidando do jardim ou fazendo Cooper. Em seguida, a narradora, Mary Alice Young nos conta que teve um dia incomum. No entanto, nesse dia, ela pôs o café da manhã para a família, lavou a roupa, pintou uma cadeira, buscou roupas na lavanderia, e como todos os dias, “silenciosamente polindo a rotina de sua vida até que fique lustrosamente perfeita”. Talvez por isso foi tão surpreendente quando ela decidiu ir até seu guarda-roupas, empunhar o revólver que nunca foi usado e estourar seus miolos na sala de estar. Quem encontra seu corpo é a vizinha, Martha Huber, uma senhora baixinha que ouve um estrondo vindo da casa ao lado, e decide que aquele é um momento conveniente para entregar um liquidificador que Mary Alice havia lhe emprestado seis meses antes. Ao ir até a casa entregar, percebe o corpo ensanguentado. Ela liga desesperada para a ambulância, nervosa, segurando o choro. Mas para, e percebe que agora ela tem um novo liquidificador.  A cena traduz a atmosfera que a série desenvolve a partir de então.

Mary Alice Young, a narradora, se suicida na primeira cena do episódio piloto.
O suicídio de Mary Alice permite que Martha Huber (a  chantagista que causou a morte da vizinha) ganhe um novo liquidificador. 
O Absurdo em Wisteria Lane

O suicídio não impede que Mary Alice continue narrando a série durante todas as temporadas, sempre contando como suas quatro melhores amigas se envolvem em tramas que envolvem catástrofes absurdas que acomete Wisteria Lane nessas oito temporadas. “Wisteria” por sinal, não faz trocadilho com “hysteria” por acaso. O humor (e a genialidade) de Desperate Housewives está justamente no contraponto entre a aparência pacata de uma rua suburbana e as situações disparatadas que levam as personagens ao desespero.
Edie Britt, para se vingar de Susan, incendeia a casa da rival na primeira temporada.
Após um complicado e complexado casamento, Rex Van de Kamp morre assassinado indiretamente pelo farmacêutico.  Bree, no funeral, horrorizada com a escolha de sua sogra, troca a gravata do corpo do falecido marido.
Na terceira temporada, o episódio BANG! conta o dia em que uma dona de casa  com ciúmes do marido toma um supermercado como refém.


Karen McCluskey, a velha ranzinza de Wisteria Lane, guardou o corpo do marido por anos no refrigerador.
Cai um avião em Wisteria Lane no episódio "Boom Crunch!" na quinta temporada. Em meio ao acidente, uma morte icônica: o candidato a prefeitura do subúrbio de Fairview, Victor Lang, acaba morto pelo maior símbolo da vida suburbana: uma cerquinha branca.
Em meio a uma manifestação que as donas de casa promovem  em uma rua, começa um  motim que causa graves consequências no episódio "Down the Block There's a Riot", na sétima temporada.
Em meio a uma "noite de jantar progressiva" (festa que acontece em várias casas de uma rua),  o padrasto de Gabrielle que abusava dela quando nova reaparece e tenta atacá-la. Carlos o mata com um castiçal e as quatro donas de casa acobertam e enterram o corpo.

No último episódio da série, Bree Van de Kamp é julgada pelo assassinato do corpo que ajudou a enterrar.  Para a surpresa de todos, Karen McCluskey, a velha chata que guardou o marido no refrigerador por anos, surge para depor , mesmo com uma doença terminal, e assume a culpa pelo assassinato. 
A BOA VIZINHANÇA EM WISTERIA LANE
É interessante ver a diferença entre as figuras claramente construídas de maneira bruta dos primeiros episódios e as personalidades lapidadas das donas de casa nesse último episódio. É claro que como quase toda série, temos problemas. A repetição talvez seja o mais atacado: algum mistério sinistro ronda Wisteria Lane. Talvez incomode em alguma instância, mas a previsibilidade também conforta e diverte. Outro é as tentativas frustradas de fazer um ou outro personagem funcionarem. Mas a série se sustenta através da atmosfera sarcástica e da força de suas quatro protagonistas.

Apesar da personagem Susan ter um arco mais pobre e repetitivo ao longo das temporadas (sempre  comsua incapacidade de resolver os próprios problemas e o fato de acabar sempre amparada pelo par romântico da vez), o mesmo não se pode dizer de suas três amigas: A executiva workaholic encarcerada pela sua posição de esposa e mãe, Lynette Scavo; A ex-supermodelo que faz o possível para preencher o vazio de sua vida suburbana, Gabrielle Solis; E o personagem que, de longe, é o mais interessante da série: Bree Van de Kamp, a dona de casa perfeccionista que mantém tudo em ordem sem perceber que na verdade, seu lar é o mais imperfeito da rua: o marido complexado e submisso, o filho homossexual reprimido que nutre um ódio profundo pela mãe e a filha egoísta que se torna um personagem cada vez mais detestável a cada temporada, fora o problema de alcoolismo que Bree enfrenta em determinado ponto. No entanto, os cookies que ela prepara continuam perfeitos, assim como suas flores e seus cabelos ruivos lisos, e seu visual new look anos 50.
Susan Mayer (ou Delfino, mais tarde), em um dos momentos constrangedores em que acabou nua em público.
Gabrielle Solis procura durante toda a série preencher o vazio de sua vida com futilidade.
Lynette Scavo como a supermãe administrando  sua família  enquanto gostaria de estar administrando uma multinacional.
Bree Van de Kamp (ou Hodge, mais tarde), com postura republicana,  sempre disposta a pegar em armas para  manter a ordem.
Além das quatro desperate centrais, sempre houve donas-de-casa coadjuvantes, com personalidade forte, e que causavam um contraponto ao equilíbrio das personagens centrais.
Edie Britt lavando o carro no primeiro episódio, sequencia que repetiria em sua volta triunfante cinco anos depois, na temporada em que se despede da série ao morrer eletrocutada no meio da rua.
Betty Applewhite guardava um filho retardado no porão. O rapaz era suspeito de assassinato, quando o culpado, na verdade, era seu irmão, Mathew.
Katherine Mayfair começou como toda dona de casa nova: guardando segredos. Depois de ter seu mistério resolvido, se tornou a melhor amiga de todas elas, salvou Bree do alcoolismo dividindo uma empresa com ela, mas aí ficou obcecada com Mike, começou a surtar, virou lésbica e sumiu, até que voltou milionária no último capítulo da série. Sentido, cadê?

Angie Bolen deu um sabor italiano para a série na sexta (e fraquíssima) temporada, que só ganhou ritmo quando a dona de casa explodiu o terrorista que a perseguia no meio da rua.

- OS PERIGOS DE WISTERIA LANE

O grande nemesis das donas de casa é Paul Young, que perde a esposa no início da série, vai e volta da cadeia,  e na sétima temporada, arquiteta uma metódica vingança contra as vizinhas que jamais lhe ajudaram.
A aparentemente simpática Fellicia Tillman fez de tudo para se vingar de Paul Young, que matou sua irmã Martha Huber na primeira temporada. A personagem ia e voltava durante as temporadas.

Mathew Applewhite, na segunda temporada, deixou que seu irmão com problemas mentais Caleb levasse a culpa pelo seu crime.
Gloria Hodge foi a pior sogra possível para Bree na terceira temporada. Contava ainda com a ajuda de Alma, a esposa de Orson que supostamente teria sido assassinada por ele.    
Com um arco menor, mas excelente, o farmacêutico obcecado com Bree  mata o marido  dela pouco a pouco com o remédio ineficiente. 
Wayne foi um vilão tão bom que eu nem me lembro de sua trama na quarta temporada da série.
Dave usou de Edie Britt para vingar-se de Mike e Susan na quinta temporada, que haviam acidentalmente matado sua esposa e filha anos antes.
O terrorista Patrick Logan explodiu no meio de Wisteria Lane, mas se ninguém na rua se importou com isso, muito menos os espectadores.
A sexta temporada foi tão sem sal que inventar um "estrangulador de Fairview", que mais tarde  se provou ser o jovem Eddie, colega dos filhos de Lynette. E ele era só um menino sozinho.  VSF.
Eis que na última temporada, descobrimos que o personagem mais interessante da série talvez seja Orson Hodge, que foi de "homem perfeito para Bree" para "suspeito de ser um assassino em série" para "atencioso marido e pai dos Van de Kamp" para "alívio cômico da série", até que se tornou um incômodo ao se acidentar e ser obrigado a viver numa cadeira de rodas. Na última temporada, Orson volta amargurado e com planos mais sórdidos. E todas essas mudanças foram graduais e bem construídas.
Ramon Sanchez (ou Alejandro) era o padrasto de Gabby que abusava dela quando nova, e que volta para  assombrá-la na sexta temporada.



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